segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Asa ou Coxa? Causos Familiares

Na minha família temos bons contadores de causos, pai, tios, irmão e decidi começar a compartilhar essas deliciosas histórias com vocês. Espero que em breve Corinha possa ler e ouvir um pouco das narrativas familiares e dar boas gargalhadas com a memória de suas origens. Para inaugurar esse espaço vai um conto de Tio Dirceu sobre um causo gostoso como um ossinho de galinha (só faltava ter um cartunista na família para ilustrar a história) com o vovô pernambucano de Corinha, vovô Roberto.



Quando dizer a verdade?
Dirceu Tavares

No almoço comemos uma galinha assada. Conversamos um pouco. A comida quente e o calor do alto verão nos faziam moles e sonolentos. Cada um foi saindo lentamente da mesa e fomos fazer uma siesta.

Meu irmão mais velho, Roberto, almoçara na casa de um amigo, e ao chegar viu que abandonáramos os ossos da galinha. Nos contou que ficou admirado de todos terem abandonado os ossinhos sem chupar as partes crocantes, bem requeimadinhas junto do osso. Sentou-se e chupou meticulosamente cada ossinho delicioso.

Foi ao banheiro ao acabar de chupar todos os ossinhos.

Tia Dida chegou esbaforida da rua. Morta de fome foi direto para a cozinha. Passando pela sala de jantar deu de cara com os ossos de galinha na bandeja grande no meio da mesa.

- Meu Deus do céu! Que povo bobo. Deixaram o melhor. Todo mundo deixou os ossinhos da galinha.

Meu irmão enquanto lavava as mãos escutou que Tia Dida falava alguma coisa. Quando entrou na sala deu de cara com ela rechupando os ossos que ele havia acabado de chupar.

-Meu filho você já chegou? Não teve plantão?

- Não!

- Não? Como um residente de medicina pode viver sem dar plantão?

- Tia. O plantão foi suspenso. Tá com alguma contaminação bacteriológica que enquanto não for higienizada ninguém pode trabalhar nos ambulatórios.

- Alguém foi contaminado?

- Não. Mas trabalhamos com higiene total, percebendo algo, já se isola toda a área.

- Ah meu filho, já vai saindo? Senta aí para eu não comer sozinha. Cheguei tão tarde. Tò tão cansada é tanto calor.

Ela tirara a roupa e estava só com a anágua, com uma cara de cansada, esbaforida, um dente na frente precisando restauração, o cabelo esperando a tempo uma nova pintura nas raízes brancas. Estava cansada de muita coisa da vida.

Meu irmão se sentiu mal em vê-la rechupando os ossos que ele havia acabado de chupar. Ponderou se devia lhe contar ou não. Minha tia era super meticulosa em tudo que fazia, chupava cada detalhe dos ossinhos com um infinito prazer que lhe devolvia as forças.

- Não entendo esses meninos. Chup, chup... Tá uma delícia. Todo mundo deixou todos esses ossinhos da galinha sem chupar...

Roberto se levantou e subiu para os quartos mais arejados lá de cima do sobrado 165 da Rua 48. Entrou no nosso quarto e encontrou Jorge meu outro irmão.
Eu estava na parte de cima do beliche, quase dormindo, lia a revista Realidade, uma reportagem dos índios do Xingu, Aritana, eu sabia que iria ser antropólogo que achava que era também arqueólogo. Queria ser as duas coisas. Iria pra uma tribo de índio e lá faria escavações de dinossauros. Quase fechando os olhos ouvi o diálogo dos dois, minha primeira reflexão sobre a verdade.

- Oi Jorge.

- Oi Roberto.

- Oh, Jorge que cara é essa?

- Resolvi finalmente fazer vestibular pra medicina. Como você e Marília.

- Ah, rapaz, parabéns. Parabéns mesmo. Não falei nada pra não te influenciar. Todo mundo deve fazer o que gosta. Mas que bom que você escolheu medicina.

- É, mas vou ter que tirar uma nota bem maior. Já estou praticando nesta apostila de redação. Redação este ano vai valer muito mais pontos.

- Por que tas com essa cara tão franzida?

- É que fui logo pros temas mais difíceis. Depois pratico os mais fáceis, pois aí será moleza. Esses últimos temas são filosóficos.

- Qual é?

- Quando dizer a verdade.

- Se você quiser li um texto Aldo Haxlei sobre as formas da verdade. Pode te interessar.

- A legal, mas queria já ir escrevendo, depois eu leio. Não queria fazer repetição de livro. Todo mundo decora e repete, tão dando ponto por originalidade.

- Ah, posso te dar uma idéia. Tia Dida chegou agora para almoçar e ela...

- Jorge cortou brusco.

- Ah, rapaz, tu perdesse viu? Hoje Conceição acertou na galinha, tava muito bem assada. Sobrou ossinhos pra caramba e eu chupei tudo sozinho. Sim, mas diz a tua idéia pra redação do quando dizer a verdade...

Roberto ficou calado. Deu voltas no quarto. Pegou uma bata branca e foi para o plantão. Creio. Jorge continuou a escrever naquele calor de matar de sono. E eu não sei até hoje quando dizer a verdade.

2 comentários:

Unknown disse...

kkkkkkk, sensacional. só falta apresentar os personagens. Abs

Uli disse...

visualizei toda essa historia na cabeca!
muito bom!