domingo, 1 de junho de 2008

tarde livre

não fosse por ser nova
uma novidade na casa em arrumada procissão
a máquina de lavar roupas
todo corpo parece bem construído, resistente e duro, mas ainda com curvas que me agradam pra água passar e poder deslizar sem corte ou quinas
água vem chegando, enchendo, eu olhando ela tomar conta pela tampa de vidro que deixa eu ver
água subindo e os movimentos que ajuntam a roupa, moldam os tecidos ao redor do centro em rodopios pequenos, descompassados mas sabidos
agua mais até o limite
e descansa
eu espero algum sinal, vou depressa quando um outro barulho se inicia
faz tudo sozinha, e eu, num comercial repetido e bem conhecido por qualquer um, fico admirando a aquisição, contenta e tranquila
a máquina sacode cheia, se esforça com as peças pra lá e pra cá, acho que isso é ritmo de trabalho
esvazia até sumir
e recomeça a encher
sem sobras, apenas o necessário para girar
a máquina gira, rodeia, rodopia, perde as formas, treme nos pés,
do lado de fora toda matéria permanece intacta
eu, num autismo permitido, ponho as mãos nas suas extremidades pra sentir também
a máquina quase voa onde está
já não há rastro d´água a não ser o testemunho das peças caladas

parto pro varal improvisado, a parte chata deveria começar

o cheiro da roupa lavada e o perfeito anúncio que protagonizo continua a passar
cheiro de começo de dia, início da hora
a roupa molhada sem pingar, frescor do que é novo sem saber
eu feliz, estendendo a roupa limpa como quem acorda no lugar

chove água fina, parece que o céu está desmanchando bem devagarinho em fiapos molhados que confudem a visão da gente dentro de casa, a profundidade do olho vira plano riscado de pingos compridos e com luz, e deixa o horizonte mais próximo, ao alcance

digo em silêncio ao bebê que aquilo é o bonito

tudo que diz respeito a nascimento, um rastro de origem qualquer, seja o começo de um dia outro numa muda de roupa nova de limpa, tem me dito respeito,
continuo aprendendo a aproveitar

2 comentários:

trabalhoecultura disse...

Poxa Mayra, nem sabia que vc era uma poetisa das boas. Não bastasse isso, me vejo diante de reflexões que pensava eu ser a única em atitude contemplativa frente aos mistérios de uma trabalhadeira máquina de lavar roupas. Quantos minutos não gastei apreciando as volutas das roupas dentro da máquina. E quantas máquinas já não tive. Gostei mais daquelas que me permitiam ver as roupas girando dentro. Não me contenho em abrir a portinha e ficar com o olhar fixo na espuma rodando, rodando, rodando.
E, como prenda por tantos momentos de fixação, agora sou presenteada por esse doce poema. Um viva às máquinas de lavar roupa.
Eu te adoro, por ser quem vc é...

Denise Seabra disse...

MEUDEUSDOCÉU!!!!! Mai num é qui inté choro!!!!! Mayra, vc tá me inspirando a produzir um irmão ou irmã para Chico...